domingo, outubro 24, 2010

retrato de um pianista excepcional: piotr anderszewski, o viajante inquieto

Há tempos planejo dedicar algum tempo para escrever sobre um dos meus ídolos ao piano: o húngaro-polonês Piotr Anderszewski. Aproveito aqui o momento feliz, por ter finalmente recebido meu exemplar do "Unquiet Traveller": um filme-documentário dirigido pelo cineasta francês Bruno Monsaingeon, conhecido por proezas similares com outros grandes nomes do piano como o canadense Glenn Gould e o ucraniano Sviatoslav Richter.
Tive a felicidade de conhecer o trabalho deste pianista espetacular durante a temporada 2007 da Sociedade de Cultura Artística, em São Paulo. No programa, nada menos do que as Variações Diabelli do compositor alemão (Ludwig van) Beethoven, parte do primeiro CD que Anderszewski gravou como artista exclusivo do selo Virgin, e que já começou no topo: arrebatando os cobiçados prêmios Diapason D'Or e Choc du Monde la Musique.
Creio que este assunto merece algumas linhas mais para que se tenha uma ideia mais clara de sua real importância. Primeiro sobre tema e variações: a submissão de um tema para que sejam compostas transformações - portanto, variações - é uma das práticas mais antigas da música ocidental instrumental erudita. O registro mais antigo desta prática remonta ao período Barroco, quando foram escritas as 30 Variações Goldberg, por (Johann Sebastian) Bach em 1742. Em fins do século XIX, Antonin Diabelli, um compositor e editor austríaco, enviou um tema de uma de suas valsas a 50 compositores, para que fossem criadas variações que seriam publicadas numa antologia austríaca da época (que veio a ser intitulada "Associação Artística Patriótica"). Variações foram escritas por compositores do porte de Liszt, Schubert e Hummel, porém dentre os trabalhos recebidos, foi Beethoven quem marcou a história deste desafio para sempre, com uma proposta experimental revolucionária, embora de dificílima execução técnica. Pois bem, agora melhor contextualizado, dá para entender um pouco mais do que significou para o então totalmente desconhecido jovem Piotr Anderszewski se apresentar para a final da prestigiosa Competição de Piano Leeds International, aos 20 anos de idade, executando nada menos do que as Variações Diabelli.
O recital no Cultura Artística foi para mim absolutamente inesquecível: a intensidade emocional e originalidade de sua interpretação - amplamente reconhecidas pelo público e pela crítica - são daquelas coisas de que os melhores momentos da vida são feitos...
Quanto ao filme, assim como a persona retratada, é absolutamente não convencional. O filme retrata uma jornada de inverno que se inicia na Polônia, passando pela Hungria, Alemanha, Londres, Paris e finalmente Lisboa - onde o pianista escolheu morar mais recentemente. O filme se passa como se o expectador estivesse partilhando da companhia do pianista durante esta jornada, feita boa parte do tempo sobre trilhos - sim, literalmente, de trem. Me parece que uma das escolhas mais interessantes do diretor foi ter abolido o tradicional formato de entrevista - o filme não é um diário de viagem, mas uma coleção de excelentes interpretações de Anderszewski ao piano, entrelaçadas por reflexões absolutamente pessoais que o pianista escolheu revelar sobre si próprio. Uma obra de arte.

Um comentário:

FanaticoUm disse...

O pianista Piotr Anderszewski tem tocado todos os anos na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, a única instituição que promove a cultura a sério em Portugal. É, de facto, um pianista de excepção, que muito aprecio.
Obrigado pelo seu post, muito claro e elucidativo.
Convido-a a visitar o nosso blog https://fanaticosdaopera.blogspot.com
e a segui-lo. Será para nós uma honra pois estamos procurando contactos activos no Brasil, para percebermos oque de melhor vai acontecendo nesse grande país irmão.
Cumprimentos musicias,
Fanatico_um do blog "Fanáticos da Ópera.